7 de setembro
Decisão Flexível: a base biológica dos comportamentos baseados na memória
Miguel Remondes
Decisão Flexível: a biologia dos comportamentos baseados na memória
Miguel Remondes, DVM, PhD
A velhice não é roubarem-nos o futuro, é terem-nos roubado o passado, até a voz dos meus pais me levaram, a casa onde nasci desapareceu, nem um objeto me ficou na memória, uma jarrinha, um prato, ainda há poucos anos a minha mãe em mim, quase podia conversar com ela,….
António Lobo Antunes, 2015, Da Natureza Dos Deuses
Nunca como quando a perdemos é a importância da memória verdadeiramente entendida. Tudo o que sabemos é, em ultima análise, uma forma de memória. Informação que temos armazenada no organismo, de forma duradoura, acessível, e utilizável. Decorre desta afirmação que todos os aspetos adquiridos da nossa personalidade são o resultado da nossa história de vida, e da forma como o nosso organismo a guardou na memória, o que por sua vez condiciona o nosso comportamento nas mais variadas circunstâncias da vida, as escolhas que fazemos, o modo como reagimos à realidade dinâmica que nos rodeia, em suma, a nossa personalidade. Numa frase: “Somos o que fomos” (J. Q. Adams).
Para decidir de forma apropriada, todos os organismos necessitam de armazenar informação sobre o contexto que os rodeia a cada momento.
Esta frase, aparentemente trivial na sua simplicidade, supõe questões não-respondidas e que constituem ainda incógnitas fundamentais sobre o funcionamento da mente-cérebro:
1 – Como é que os neurónios representam contextos?
2 – Como são armazenadas estas representações?
3 – Como é utilizada esta informação para a tomada de decisão?
Nesta conferência em particular, queremos abordar três ideias fundamentais:
1 – A memória, tal como todos os processos mentais, é o produto de interações físicas entre moléculas, órgãos sub-celulares, e células especializadas – neurónios.
2 – Tais processos são, por definição, monitorizáveis e, recentemente, manipuláveis de forma reversível. Isto permite que se explorem possíveis mecanismos que levem à formação de memórias, e que tais mecanismos sejam explicados e associados em relações de causa e efeito.
3 – Como resultado desta abordagem metodológica, sabemos hoje em dia que as memórias não são meros repositórios estáticos de experiências passadas. Contrariamente ao que propõem noções clássicas, as memórias podem representar eventos que nunca ocorreram, podem ser manipuladas, distorcidas, ou suprimidas por completo.
Sabemos também que várias doenças do foro neurológico-psiquiátrico têm como primeiro sintoma o esquecimento. De onde, a explicação da memória como uma rede de eventos relacionados como causa e efeito poderá levar-nos a uma explicação da doença mental e, logo, à sua cura.
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As neurociências têm vindo a expandir o nosso conhecimento sobre o cérebro de uma forma surpreendente. Novas perguntas e técnicas dissecam com cada vez mais pormenor os mecanismos da perceção, da memória, do medo e da tomada de decisões. Questiona-se a natureza da consciência, do livre-arbítrio e da inteligência, e estudam-se minuciosamente os mecanismos da plasticidade neuronal. Espera-se ficar a conhecer melhor a nossa natureza, mas também abrir caminho para a compreensão e tratamento de várias doenças neurológicas. Deve a aplicação desse conhecimento ficar limitada à doença ou dever-se-á permitir o seu uso para melhorar as capacidades inatas do homem? Esta é uma questão que se estende muito para além do domínio médico e académico e obriga a uma reflexão sobre a própria natureza humana, sobre quem queremos ser e em que sociedade queremos viver.
Este ciclo de conferências pretende desvendar um pouco deste fascinante mundo dos processos neuronais e promover uma discussão mais alargada sobre as suas repercussões filosóficas, éticas, sociais e individuais.
Miguel Remondes – Investigador Principal, Laboratório de Perceção, Memória e Decisão, Instituto de Medicina Molecular.
Rui Oliveira – Investigador Principal, Laboratório de Biologia Integrativa do Comportamento, Instituto Superior de Psicologia Aplicada, Instituto Gulbenkian de Ciência.
Diana Prata – Investigadora Principal, Laboratório de Neurobiologia Humana e Cognição, Instituto de Medicina Molecular.
Francisco Teixeira – Diretor do Serviço de Neurofeedback, Neurobios, Instituto de Neurociências.